Um amigo, de um amigo meu #3

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De todos os amigos que eu tive e tenho, esse pode ser considerado um cara sem muita sorte. Não que os outros tenham vivido situações melhores, mas este, acabou se ferrando um pouco mais.
Ele é alguém popular, que fazia amizade fácil, tagarelava e ganhava a atenção de todos. De boa aparência, tinha olhos perfeitamente verdes que brilhavam a luz do sol. As meninas sempre estavam atrás dele, mas ele não lhes dava preferência.
Seu melhor amigo, também era popular, mas não perdia tanto tempo em reuniões sociais. Seu tempo e dinheiro eram gastos com sua coleção. Passava horas admirando e polindo, sempre deixando tudo limpinho pois para ele, suas peças eram como um tesouro.
Já conheci pessoas que colecionavam figurinhas, carrinhos, bolinhas de gude... Já vi pessoas que colecionavam cartões telefônicos, convites de festa, tampas de garrafas daquelas promocionais, folhas de árvore entre outras coisas. O fato é que uma grande maioria já colecionou algo na vida.
Quando as pessoas começam a juntar algo, acho que fazem pelo prazer de ter aquelas peças que muitas vezes podem ser raras ou até mesmo banais. Elas se alegram ao conseguir mais um item, ao observar todos eles reunidos, até chegar um dia que olham aquilo tudo e pensam: "pra quê?". Alguns continuam guardando para presentear alguém, um filho talvez, outro simplesmente jogam fora, e outros, acabam descontando sua raiva nela, como esse amigo do meu amigo.



Sua coleção? Espelhos. Dos mais variados tamanhos, com as mais variadas molduras. Alguns até com uma certa quantidade de graus como os óculos, outros como aqueles de circo. Acrílico ou vidro, com desenhos gravados ou lisos, estreitos ou mais largos. Em todos os lugares. Não havia quadros em sua casa, apenas espelhos. Na sala, cozinha e no banheiro. No quarto, na garagem, paredes completamente tomadas pelas molduras.
As vezes, fazia festas em sua casa. Na primeira vez que fez, todos foram animados, ainda mais visando o espaço considerando que a casa era quase uma mansão e o dinheiro de seu anfitrião. Porém, muitos ficaram incomodados por verem suas imagens refletidas a todo o momento, como câmeras que sempre estivessem monitorando o ambiente. Hoje em dia ainda faz festas, mas só vão aqueles que acham a sua excentricidade, algo interessante.
Em uma destas festas, ele conheceu o seu amor. Uma garota ruiva tingida, que adorava seus espelhos e a paixão que ele tinha pelas peças. Ela também tinha uma coleção, algo mais simples. Colecionava moedas que ela achava na rua, muitas delas, ainda com valor, mas se era achada, ela não gastava. Um parecia ter sido feito para o outro.
Casais que se amam são tão bonitinhos, o problema é quando o que junta os dois é o amor por outra coisa e não o amor pelo outro. Entenda, não é porque a pessoa gosta do mesmo sorvete que você gosta, que ela foi feita pra você. Ela e você foram feitos pro sorvete e este é o único vínculo que une os dois. Quando acabar o sorvete, um vai descobrir que o outro gosta de outra coisa e ai começa o "nojinho" e todas as coisas que desencadeiam as brigas.
Não que para um casal dar certo eles tenham que gostar da mesma coisa em tudo ou discordar em tudo, mas sim, além de gostar das mesmas coisas e de coisas diferentes, mostrar ao outro essas coisas diferentes, para assim um atrair o outro com seu conhecimento sobre aquela determinada coisa e abrir um leque maior de preferências mútuas.
É por isso que eu naturalmente me apaixono por cérebros. O conhecimento, um ponto de vista e as vezes até descobrir que a pessoa pensa o mesmo sobre determinada situação, fazem muita diferença. E conhecimento, não acaba que nem o sorvete.
Os dois iam muito bem, até que um dia ela arranhou o espelho dele sem querer. O drama foi supremo e eles terminaram, só que ele ainda amava ela de verdade, só que seu orgulho era maior e ele não iria assumir isso.
A ruiva, logo encontrou consolo nos ombros do melhor amigo do cara dos espelhos (no caso, o meu amigo... O meu amigo é melhor amigo do cara dos espelhos e... Bem, você entendeu). Os dois começaram a namorar e perceberam que tinham coisas em comum assim como tinham diferenças e logo um foi aprendendo com o outro e logo os dois eram uma mistura... dos dois.
Acho que quando uma pessoa rejeita a outra, mesmo gostando dela e depois se arrepende, tem que se lembrar que quando ela rejeito ela meio que "assinou um termo" se responsabilizando se caso algo assim acontecesse. Do tipo: "estou terminando com você, ciente de que se eu me arrepender depois, podemos OU NÃO ter volta, considerando que o OU NÃO tem mais probabilidade de acontecer que o ter volta". Se as pessoas se dessem conta disso, evitaria aqueles discursos do tipo: "eu fiz tudo, pedi pra voltar e ela nem ligou..." Você fez tudo e mandou ela embora, é natural que uma pessoa diga não ao receber a mesma proposta.
O feliz casal foi fazer uma viagem, dias depois que o melhor amigo dele descobriu o namoro. Ficou chocado mas fingiu indiferença e disse que desejava felicidade aos dois. A gente poderia encerrar aqui e dizer que não houve nada de estranho desta vez, porém, houve e eu não podia deixar de contar pra vocês. Eu como sempre, muito curioso não pude deixar de procurar saber os detalhes, ainda mais depois que meu amigo apareceu de luto.

Eis o que aconteceu:

Na viagem, a moça passou em frente a uma loja de espelhos e resolveu comprar um que tinha moldura de conchinhas da praia para presentear seu ex. Seu namorado, meu amigo, ficou meio receoso, mas como ele havia apoiado o casal, achou que poderia ser uma forma de manter toda a situação num tom amigável.
Ao retornarem e irem a casa dele entregar o presente, ele foi muito educado ao receber os dois e ficou surpreso com o presente, porém, não muito contente. Realmente, de todas as molduras que tinha, nenhuma era de conchas, justamente porque ele odiava praia e qualquer coisa relacionada a ela depois que sua mãe morreu afogada. Ele olhava para a ruiva com tamanha expressão de ódio porque ele havia contado essa história a ela na primeira semana de namoro dos dois e como ela havia se esquecido desse detalhe tão crucial tão rápido. O meu amigo tentou pedir desculpas mas quando viu, ele já havia quebrado o espelho e passado um dos cacos no pescoço dela. Sangrou até morrer, agonizando aos poucos. Meu amigo tentou impedir mas não havia mais jeito e se não tivesse corrido para buscar ajuda, tinha morrido também.
Ia me esquecendo da moral, se é que existe alguma, detalhes são extremamente importantes e se você acha que lembra de alguém por um certo objeto, certifique-se se não é porque a pessoa o evita. E a soma de detalhes esquecidos+mágoa guardada, acabam em "fim do sorvete".


Falando nisso, preciso buscar algo para comer, afinal, não posso comer cérebros assim como tomo sorvete. 

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