De todos os amigos que eu tive e
tenho, esse pode ser considerado um cara sem muita sorte. Não que os outros
tenham vivido situações melhores, mas este, acabou se ferrando um pouco mais.
Ele é alguém popular, que fazia
amizade fácil, tagarelava e ganhava a atenção de todos. De boa aparência, tinha
olhos perfeitamente verdes que brilhavam a luz do sol. As meninas sempre
estavam atrás dele, mas ele não lhes dava preferência.
Seu melhor amigo, também era
popular, mas não perdia tanto tempo em reuniões sociais. Seu tempo e dinheiro
eram gastos com sua coleção. Passava horas admirando e polindo, sempre deixando
tudo limpinho pois para ele, suas peças eram como um tesouro.
Já conheci pessoas que
colecionavam figurinhas, carrinhos, bolinhas de gude... Já vi pessoas que
colecionavam cartões telefônicos, convites de festa, tampas de garrafas
daquelas promocionais, folhas de árvore entre outras coisas. O fato é que uma
grande maioria já colecionou algo na vida.
Quando as pessoas começam a
juntar algo, acho que fazem pelo prazer de ter aquelas peças que muitas vezes
podem ser raras ou até mesmo banais. Elas se alegram ao conseguir mais um item,
ao observar todos eles reunidos, até chegar um dia que olham aquilo tudo e
pensam: "pra quê?". Alguns continuam guardando para presentear
alguém, um filho talvez, outro simplesmente jogam fora, e outros, acabam
descontando sua raiva nela, como esse amigo do meu amigo.
Sua coleção? Espelhos. Dos mais
variados tamanhos, com as mais variadas molduras. Alguns até com uma certa
quantidade de graus como os óculos, outros como aqueles de circo. Acrílico ou
vidro, com desenhos gravados ou lisos, estreitos ou mais largos. Em todos os
lugares. Não havia quadros em sua casa, apenas espelhos. Na sala, cozinha e no
banheiro. No quarto, na garagem, paredes completamente tomadas pelas molduras.
As vezes, fazia festas em sua
casa. Na primeira vez que fez, todos foram animados, ainda mais visando o
espaço considerando que a casa era quase uma mansão e o dinheiro de seu
anfitrião. Porém, muitos ficaram incomodados por verem suas imagens refletidas
a todo o momento, como câmeras que sempre estivessem monitorando o ambiente.
Hoje em dia ainda faz festas, mas só vão aqueles que acham a sua excentricidade,
algo interessante.
Em uma destas festas, ele
conheceu o seu amor. Uma garota ruiva tingida, que adorava seus espelhos e a
paixão que ele tinha pelas peças. Ela também tinha uma coleção, algo mais
simples. Colecionava moedas que ela achava na rua, muitas delas, ainda com
valor, mas se era achada, ela não gastava. Um parecia ter sido feito para o
outro.
Casais que se amam são tão
bonitinhos, o problema é quando o que junta os dois é o amor por outra coisa e
não o amor pelo outro. Entenda, não é porque a pessoa gosta do mesmo sorvete
que você gosta, que ela foi feita pra você. Ela e você foram feitos pro sorvete
e este é o único vínculo que une os dois. Quando acabar o sorvete, um vai
descobrir que o outro gosta de outra coisa e ai começa o "nojinho" e
todas as coisas que desencadeiam as brigas.
Não que para um casal dar certo
eles tenham que gostar da mesma coisa em tudo ou discordar em tudo, mas sim,
além de gostar das mesmas coisas e de coisas diferentes, mostrar ao outro essas
coisas diferentes, para assim um atrair o outro com seu conhecimento sobre
aquela determinada coisa e abrir um leque maior de preferências mútuas.
É por isso que eu naturalmente me
apaixono por cérebros. O conhecimento, um ponto de vista e as vezes até descobrir
que a pessoa pensa o mesmo sobre determinada situação, fazem muita diferença. E
conhecimento, não acaba que nem o sorvete.
Os dois iam muito bem, até que um
dia ela arranhou o espelho dele sem querer. O drama foi supremo e eles
terminaram, só que ele ainda amava ela de verdade, só que seu orgulho era maior
e ele não iria assumir isso.
A ruiva, logo encontrou consolo
nos ombros do melhor amigo do cara dos espelhos (no caso, o meu amigo... O meu
amigo é melhor amigo do cara dos espelhos e... Bem, você entendeu). Os dois
começaram a namorar e perceberam que tinham coisas em comum assim como tinham
diferenças e logo um foi aprendendo com o outro e logo os dois eram uma
mistura... dos dois.
Acho que quando uma pessoa
rejeita a outra, mesmo gostando dela e depois se arrepende, tem que se lembrar
que quando ela rejeito ela meio que "assinou um termo" se
responsabilizando se caso algo assim acontecesse. Do tipo: "estou
terminando com você, ciente de que se eu me arrepender depois, podemos OU NÃO
ter volta, considerando que o OU NÃO tem mais probabilidade de acontecer que o
ter volta". Se as pessoas se dessem conta disso, evitaria aqueles
discursos do tipo: "eu fiz tudo, pedi pra voltar e ela nem ligou..."
Você fez tudo e mandou ela embora, é natural que uma pessoa diga não ao receber
a mesma proposta.
O feliz casal foi fazer uma
viagem, dias depois que o melhor amigo dele descobriu o namoro. Ficou chocado
mas fingiu indiferença e disse que desejava felicidade aos dois. A gente
poderia encerrar aqui e dizer que não houve nada de estranho desta vez, porém,
houve e eu não podia deixar de contar pra vocês. Eu como sempre, muito curioso
não pude deixar de procurar saber os detalhes, ainda mais depois que meu amigo
apareceu de luto.
Eis o que aconteceu:
Na viagem, a moça passou em
frente a uma loja de espelhos e resolveu comprar um que tinha moldura de
conchinhas da praia para presentear seu ex. Seu namorado, meu amigo, ficou meio
receoso, mas como ele havia apoiado o casal, achou que poderia ser uma forma de
manter toda a situação num tom amigável.
Ao retornarem e irem a casa dele
entregar o presente, ele foi muito educado ao receber os dois e ficou surpreso
com o presente, porém, não muito contente. Realmente, de todas as molduras que
tinha, nenhuma era de conchas, justamente porque ele odiava praia e qualquer
coisa relacionada a ela depois que sua mãe morreu afogada. Ele olhava para a
ruiva com tamanha expressão de ódio porque ele havia contado essa história a
ela na primeira semana de namoro dos dois e como ela havia se esquecido desse
detalhe tão crucial tão rápido. O meu amigo tentou pedir desculpas mas quando
viu, ele já havia quebrado o espelho e passado um dos cacos no pescoço dela.
Sangrou até morrer, agonizando aos poucos. Meu amigo tentou impedir mas não havia
mais jeito e se não tivesse corrido para buscar ajuda, tinha morrido também.
Ia me esquecendo da moral, se é
que existe alguma, detalhes são extremamente importantes e se você acha que
lembra de alguém por um certo objeto, certifique-se se não é porque a pessoa o
evita. E a soma de detalhes esquecidos+mágoa guardada, acabam em "fim do
sorvete".
Falando nisso, preciso buscar
algo para comer, afinal, não posso comer cérebros assim como tomo sorvete.
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