Mais um semana com um post enviado pelo o leitor. Dessa vez quem enviou o material foi a Larissa da Conceição, provavelmente uma garota, ou um pedófilo de 50 anos que entra no chat da UOL com esse nome, vai saber né... Prefiro pensar como se fosse a primeira opção mesmo.
A Primeira Vez Que Vi Liza Nassie
de Larry Bryce
Odeio a grama grotesca, escura e fria do lado de fora. A detesto mais ainda quando tenho que olhá-la pela janela molhada da chuva de verão. Já não basta tudo que esse ano me representa, ainda tem a grama para me culpar e nenhum outro ser vivo me aparece por aquela maldita porta há nove meses. Ter de simplesmente abaixar a cabeça, olhar para o papel e escrever é algo estressante e me faz, seriamente, pensar em deixar tudo isso para trás. No entanto, basta eu olhar para a cama e ver seu rosto descansando, desligado da dor, me faz voltar nesse caminho. Eu odeio a grama, a janela, as portas e as paredes, a chuva também, mas estou ali por ela, então vale a pena. E esse valer a pena me obriga a ter de admitir que aquela concepção de se ferrar por alguém é válido.
Ela apresenta um histórico forte na família de uma doença muito rara. Embora ela tenha passado a vida inteira aparentemente ilesa dos sintomas, a doença esteve lá todo o momento de sua vida, desde o nascimento. Ela está marcada com isso para sempre, Howard.
Dizia a receita que eu lia e relia e não conseguia sair intacto de uma profunda poça depressiva.
Dr. Robert Roch para Howard McMett
Li, por fim e pela milionésima vez sua assinatura.
Os pingos de chuva faziam sombras na folha toda carimbada e o cheiro de hospital se arrastou pelo corredor, comendo cada canto das paredes e roendo cada quina dos móveis, até a porta do quarto. Eu a vi se remexer na cama, inquieta, trocou de posição e voltou a se aconchegar, suspirando.
Poderia me lembrar da primeira vez que vi Liza Nassie no Central Park escondida entre duas árvores lendo alguma coisa de F. Scott Fitzgerald. Rapidamente nos encontramos de novo, ela era eclética, tinha vários discos velhos em casa e só tinha o pai no mundo. E, devo ignorar abruptamente que seu pai era meu vizinho e que a segunda - e terrivelmente vergonhosa - vez que nos vimos ela estava na janela oposta a minha brigando com ele por beber demais e trabalhar de menos. Lembro que ela odiava ser comparada à atrizes famosas - dentre as quais ela é muito parecida - como Ava Gardner, Rita Hayworth e Sophia Loren. Amava o jeito como fazia as coisas e mais ainda como não as fazia. Os retratos dela em minha cabeça me impediram de imaginar, um dia, ela deitada, pálida, numa cama esbranquiçada e coberta por piedade.
Se olhasse mais para a grama escura e para o céu através da janela, sentiria dedos frios de alguma coisa apertando as veias do meu pulso. Minha respiração pararia, mas depois eu lembraria que talvez fosse Liza.
Voltei para a cama e deitei ao seu lado, imediatamente ela virou, mas o cheiro de hospital ficou mais forte.
Eu já te disse que quando era pequena coisas estranhas aconteciam. Bom, melhorando, quando somos pequenos coisas estranhas sempre acontecem. - lembrei da sua voz na primeira festa de Natal juntos - Tinha uma moça, já velha, corcunda, que passava lá em casa todo dia na mesma hora. Meus pais trabalhavam, nessa época eles moravam juntos, e a casa ficava vazia. Ela entrava, passava pela sala, subia as escadas, atravessa o corredor, abria a porta do meu quarto e entrava. Nisso, ela me contava um monte de histórias das aventuras dela, as coisas que ela já tinha visto e feito. Eu era pequena, uns seis, sete anos, e achava aquilo um máximo. Ela ficava até eu dormir. Só que, teve uma vez que meus pais não foi trabalhar, sei lá porquê, e mesmo assim ela apareceu. No outro dia, eu perguntei para o meu pai se ele havia gostado da minha nova amiga, a Velha, expliquei que ela tinha chegado em casa, passado pela porta, pelo corredor e tudo mais, nisso ele me chamou de louca e disse que mulher nenhuma passou por ali, porque ele tinha ficado na sala o tempo inteiro até de noite, quando eu fui dormir. Depois disso, ela nunca mais veio me ver.
Rimos apesar de tudo e sua voz me confortava, mesmo em lembrança.
Ouvia sua respiração falhando com os olhos fechados...
- Ela é minha novamente... - um sussurro do lado de fora ecoou. Abri os olhos para o cheiro de hospital, mas tudo estava bem porque os dedos frios deslizavam por meu pulso.
Sua risada voltou na minha cabeça como um relâmpago súbito, forte. Mas não existiam vozes no fundo daquele corredor, nem no fundo daquela janela, mesmo eu odiando todos eles, estava lá por um motivo, por um único motivo, e ficaria mesmo assim. Olhei para ela e vi um vermelho nascer das narinas e deslizar pelos lábios. Seus cílios não se mexeriam mais, nem nada mais.
- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOO!!! - a ouvi gritar, mas não dela. Saia de mim, dentro da minha cabeça, como uma lembrança.
Eu desenhei aquele rosto novamente, como quando a vi pela primeira vez. Liza Nassie, meu nome. Os dedos ficaram firmes com cada sílaba que ela soara no passado, o sangue deslizou preto para as bochechas e a Velha surgiu na porta, com o cheiro de hospital, arrastando seus sapatos. Subiu na cama e alisou seu rosto frio, sujou os dedos magricelos de sangue e os lambeu.
Meu corpo queria se levantar, queria fugir, queria preencher com alguma coisa a miséria que era ver olhos escuros pairarem sobre si, mas aqueles dedos... aqueles pulsos cravados na minha veia não deixavam por nada. A Velha olhou para mim com a boca suja daquele sangue como se visse minha agonia e a entendesse e piscou rapidamente antes de se curvar sobre ela e beijar sua boca levemente.
- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOO!!! - gritou outra vez. Meus músculos se contraíram ao sentir cada gota de chuva parar enquanto a velha fechava os olhos. O sangue borbulhou ao meu lado e a chuva parou por completo.
A grama estava mais odiosa, junto com a janela e a madeira das portas quando eu consegui me levantar. Tive a impressão de que olhava para mim, ao mesmo tempo em que a Velha ficava ao seu lado admirando seus cílios mortos, alisando seus cabelos e coisas mais.
Me acostumei a ficar de costas para elas, lembrando de pensar e esquecendo de viver, olhando para o céu pela janela. Às vezes, depois de certas horas, ela vinha colher minhas lágrimas ou simplesmente vê-las caírem por meu rosto, mas sabia, sempre sabia que eu tinha certeza de seu oficio para comigo e que, desse mesmo jeito, sabia que demoraria para cumpri-lo ao meu lado pois sempre estaria pensando na primeira vez que vi Liza Nassie, ao meu lado, ou... distante.
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