No banco do carona podia-se vislumbrar um cobertor velho jogado sobre um objeto antropomorfo. Carlos retirou o cobertor revelando o corpo sem vida de Laura.
- Calma meu amor. – Disse ele acariciando-a com a mão livre. – Tudo vai ficar bem. Eu prometo.
Os olhos acinzentados, sem vida, pareciam encara-lo. Mas não podia ser possível podia? A chuva seguia despencando impiedosa e indiferente ao sofrimento de Carlos. Carlos voltou a prestar atenção na pista escorregadia. Aquaplanagem era um perigo real nessas condições de clima. Diminuiu a velocidade lentamente enquanto lutava com os pneus vacilantes do utilitário. Precisava seguir na estrada. Mas aonde aquela estrada o levaria mesmo? Seus pensamentos não estavam mais coerentes. Subitamente ele se deu conta de que não sabia mais o que estava fazendo. Seus músculos pareciam não obedecer a qualquer estimulo voluntario. Como se ele tivesse se convertido em uma marionete. A substância proibida no sangue aguçava alguns sentidos e parecia confundir outros. Nunca se sentira numa viagem tão intensa e tinha certeza de que aquilo não podia ser efeito da droga.
Olhou novamente para o lado. Ela estava morta não estava? Então o que tencionava fazer com o corpo? O que faria mesmo?
Ele examinou o ferimento na base do pescoço mais de perto. O sulco aberto na pele pelos repetidos golpes parecia ter parado de sangrar e se convertido numa fenda semelhante a uma guelra. Mas qual fora mesmo o motivo? Não importa. Ela provavelmente merecera. Que coisa horrível de dizer! Sentiu um aperto no coração novamente. Mas o que acontecera? Agora não podia se lembrar. Os pensamentos pareciam um turbilhão de indagações sem resposta e afirmações sem nexo. Um caleidoscópio de sentimentos conflitantes e incompatíveis todos parecendo aflorar e morrer simultaneamente.
Um átimo de segundo após os olhos de Carlos pousarem na pista de novo ele percebeu que iria morrer. Uma curva sinuosa o aguardava a menos de cinco metros. O carro patinou na pista enquanto Carlos tentava recuperar o controle. Se os pneus do utilitário fossem novos poderiam ter evitado a hidroplanagem devido ao desenho assimétrico, no entanto, os pneus desgastados haviam perdido completamente o contato com o solo quando Carlos tentava corrigir a trajetória. A banda de rodagem não conseguiu impedir a tragédia. Finalmente a pista acabou e o carro se projetou da estrada para uma queda desalentadora. O utilitário capotou sobre as rochas amassando como papel, os vidros fumês explodindo em fragmentos traiçoeiros para dentro do veiculo.
Uma força é igual ao produto da massa pela aceleração. Num capotamento o corpo esta sujeito a forças sendo aplicadas repetidamente de todos os lados sendo visto pelos especialistas em traumatologia como um dos piores cenários em acidentes automobilísticos. Carlos não teve tempo de processar a dor, mas sabia que seu corpo não resistiria a traumas tão intensos. O utilitário girava em torno de seu próprio eixo pela terceira vez quando os pulmões de Carlos explodiram. Carlos já lera a respeito. Aquele era o chamado efeito saco de papel. Ele instintivamente inspirara o ar e prendera o fôlego ocasionando o fechamento da glote. Semelhante a um saco de papel insuflado e depois estourado entra as mãos para pregar uma peça em um colega medroso, seus pulmões romperam e se inundaram de sangue. Sua cabeça foi atingida por algo solido e seus ossos fraturados penetraram na abobada craniana lançando uma dor agonizante por toda extensão de seu corpo.
O carro capotou pela ultima vez e aterrissou com as rodas apontando para o céu. A desaceleração fez com que Carlos parasse de se sacudir dentro do veiculo causando uma parada violentamente abrupta. Os órgãos do corpo humano possuem estruturas de fixação próprias e essas estruturas, embora fortes, não foram capazes de resistir a forças tão intensas de tração. O rompimento da aorta descendente, acoplada a coluna torácica, causou outro sangramento interno. A dor nem pareceu chegar ao cérebro de Carlos. Antes que pudesse perceber que sofrera um acidente grave, seu cérebro desligou.
Um caminhoneiro encontrou o local do acidente quinze minutos depois. Duas horas depois a policia rodoviária chegou ao local. O caso foi noticiado no jornal local numa pagina sem muito destaque. O curioso do caso, noticiara o jornalista, era o corpo da garota que parecia estar abraçada a Carlos após toda a confusão do acidente.
Boa!
ResponderExcluirAs partes descritivas do conto foram de demasiada qualidade! Muito bom!
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