Carlos Mateus, catorze
horas e quarenta minutos, dia número quarenta e cinco à deriva. Ainda eu e a
Joana andamos a deriva nesse deserto. Os mantimentos estão a esgotar-se e a
nossa convivência está a ficar cada vez mais difícil. Não sei o Deus quer mas
já estou a ficar louco de todo dia andar nessas areias infindáveis, debaixo
desse sol infernal. Fim de transmissão, click.
No começo da travessia, eu, a Joana e o Marcos tínhamos uma ótima
convivência; altas gargalhadas, comes e bebes, cantigas de percurso. Mas após o
acidente de carro, em que eu era o motorista, que ocorreu a muitos quilômetros atrás,
Marcos perdeu a vida e o carro ficou todo danificado; sem recursos para um
conserto de emergência. Então, eu e a Joana, tomamos rumo em direção a norte.
Ela falava muito pouco comigo porque culpava-me pelo acidente e pela morte do
Mateus, visto que ela estava apaixonada por ele. Tentei aproximar-me dela para
pedir-lhe desculpa mas sempre caiamos em discussões indesejáveis. E numa dessas
discussões perdi a minha bussola, ficou soterrado na areia.
“Devias ter morrido no lugar dele, seu cabrão!” Essa frase
foi-me dito a três dias atrás e ainda perturba as minhas horas de descanso na
gelada madrugada. E não havia só as discussões, ela também andava a agir
estranhamente quando descansávamos a noite. Dizia frases do tipo: “Não devo
fazer isso…” ou “Sai pensamento!”
Carlos Mateus, vinte
horas e vinte-um minutos, dia cinquenta e cinco à deriva. Toda a comida
esgotou, já fazem dois dias. As coisas entre mim e a Joana pioraram muito, sem
falar do seu comportamento assustador. Ainda estamos juntos porque temos que
partilhar a água que ainda sobra. Já estou a começar a desesperar, já não
aguento ficar muito mais tempo sem comer. Fim de transmissão, click.
Carlos Mateus, dezasseis
horas e dez minutos, Estou esfomeado! Não sei o que fazer, não tenho mais
forças para caminhar. Mas que raios, estou a falar com um gravador. Vou beber a última gota de água que…
…eu disse que a última
gota seria minha, seu vagabundo! Agora já foste a história! Agora não se pode
desperdiçar tanta carne! Onde é que enfiaste o isqueiro meu cabrão? Mas que vem
a ser isto? Um gravador? Acho que a transmissão vai acabar por aqui, click.
Moorf
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