Sentia-me solitário apesar de sua
presença. Submerso no catastrofismo de meus pensamentos naturalmente
pessimistas e dos terríveis pesadelos que assombram meus devaneios
de introspecção, eu estava só - ao seu
lado. Podia sentir o frio desolador do vazio mundano embora minha
capacidade intelectiva me desse a certeza de que você estava no
banco do carona, a acompanhante do homem solitário, a companheira
fiel de um ser abandonado. Vituperiosa e inexorável ironia que me
esmaga!
Acelero o chevete a fim de provar a
mim mesmo que estou vivo. Você reclama da alta velocidade e eu a
ignoro como sempre. Já percebi há muito tempo que o que trancende a
mim não merece nenhuma atenção. Não há como escapar do caos
sufocante do “EU” que clama pela soberania!Simultanêamente,
portanto não há como escapar da solitude asfixiante da existência.
Os que tentaram se viram envoltos na mentira e quando menos esperavam
estavam presos pelas amarras autopiedosas da fantasia que acorrenta o
mundo, que embota o pensamento, que oprime os instintos, que venera a
fraqueza...
Mas eu não lhe falo nada disso em
voz alta.
Você esta assustada. Não olho
diretamente para seu rosto mas posso sentir seu medo. Posso imaginar
as sobrancelhas arqueadas, os labios apertados e aquele franzir da
pele de sua testa.
Isso me excita.
Seu medo me excita e você sabe
disso. E é só por isso que eu não diminuo. Sei que não existe
nada além de mim, nada que transcenda a minha existência, logo você
também sabe que não existe. Sabe perfeitamente que não passa de
uma representação. Uma efígie mal acabada do ser perfeito que me
tornei. Um mero vestígio da minha potência, uma centelha que serve
a meu prazer. Por isso, está inquieta. Por isso sente medo, por isso
chora e somente por isso me excita. Esta é sua clara função no
cosmos. A única razão para
que se apresente a mim.
O
“EU” ruge em meu íntimo por mais do mundo! Quer
tudo o que pertence a ele. Quero
tudo o que pertence a ele.
Quer tudo o que
pertence a mim. Quer
tudo! Quero tudo!
E você é minha propriedade!
Enquanto acelero o carro contra o
muro de concreto olho pela primeira vez em seus olhos. Seu pânico me
deixa entorpecido de alegria genuína! Você percebe que só eu estou
usando cinto e isso me prova que você compreende meus anseios. Vejo
seu corpo franzino ser arremessado contra o parabrisa enquanto o seu
ultimo suspiro se converte num resfolegar engasgado com vidro e
sangue. Não me lembro de experimentar um extase tão completo de
satisfação quanto sinto agora ao ver sua estrutura corporal
decapitada tombar inerte em meus ombros.
Neste momento, tenho tudo o que
pertence ao “EU”.
por JORGE GUERRA
Vão pela sombra, Equipe Eutanásia.
Adorei o conto!!! Muito massa! Teeenso...
ResponderExcluir