Houve um forte eco metálico quando o trinco deslizou pelo fecho da porta lançando a claridade ofuscante do pátio para a cela. Tola manteve os olhos entreabertos enquanto tentava se acostumar com a mudança súbita de luminosidade.
- Tola, está na hora do seu banho de sol. Você tem 58 minutos! – anunciou o agente penitenciário que empunhava uma espingarda.
Tola não se incomodou em dirigir a palavra para o homem fardado, limitando-se a sair da cela e andar em direção ao pátio onde os detentos se preparavam para uma pelada. O exercício tinha um papel muito mais expressivo do que manter a boa forma e a saúde. Funcionava como uma válvula de escape. Uma forma simples e saudável de se refugiar do peso esmagador do cárcere.
Enquanto se preparava para entrar na fila do jogo, Tola sentiu uma estranha sensação. Seus companheiros de pena o encaravam, sérios como um pároco velando um fiel. Tola engoliu em seco enquanto se aproximava, cada passo mais lento que o anterior. Subitamente sentiu-se desorientado, perdido, como se tivesse se convertido do dia para a noite em um estranho aos olhos daqueles que considerava como irmãos. Seus amigos de outrora (de um tempo que parecia distante agora) o rodearam bloqueando sua passagem e prendendo-o como a uma ovelha em um aprisco.
- fale aê mano – disse Tola.
- Aê mano é o caralho, Tola. – disse bruno, o vulgo Tacha. – Nois ta querendo estica o chiclete com a tua pessoa ta ligado?
Tola engoliu em seco. Esticar o chiclete era a gíria para quando um membro do crime queria esclarecer alguma situação com outro. A coisa parecia seria. Os homens estavam todos com os braços cruzados e atentos a cada um de seus movimentos.
- Que fita é essa, Tacha?
- A fita é a seguinte: um mano do mundão ligou pra nois falando que você se jogou da área dele depois estrupar a cunhada dele. A gente ta aqui na moral pra esclarecer essa parada aê ta ligado?
Droga. Estava cercado. Teve a sensação de que os homens atrás dele estavam armados.
- Não tem nada disso não Tacha. Pô, os cara tão de caô ta ligado?
- Caô é o caralho, mano. Ta chamando o Paulão de mentiroso? O cara é responsa pra caralho, já me livrou a cara uma pá de vez, porra. Ele ta lado a lado com nois. Voce é que ta de caô com a porra da minha cara.
Dois braços fortes surgiram de cada lado e antes que Tola percebesse estava imobilizado.
- Porra mano. Aquela mina era uma puta, mano. A vagabunda deu pra mim e depois falou que eu era rato. Que tinha estuprado. É mentira daquela piranha, Tacha, cê tem que acreditar em mim cara!
- Porra, Tola.
- É verdade!
- Filho da puta! A mulher é casada com um maluco responsa, cara! Como é que você foi fazer uma merda dessa?
- você tem que acreditar em ...
Tacha não esperou a verborragia sem verdade que Tola proferia. Enfiou a mão no calção e retirou a chave de fenda que limara para ficar afiada. O golpe foi rápido e seco. Tacha acertou a virilha de Tola e torceu a lamina vertendo o sangue para fora e ouvindo o grito agônico daquele que fora seu irmão no crime.
Os homens que seguravam Tola se contorceram para continuar segurando-o enquanto o agressor desferia mais golpes em sua barriga. O sangue brotou copiosamente em jorros da boca de Tola e sua respiração passou a se reduzir a curtos e bruscos haustos. O ultimo golpe atingiu-lhe a traqueia e os gritos pararam na mesma medida em que ele desistia de lutar.
Os guardas na guarita viram toda a ação mas estavam ocupados demais dividindo o dinheiro para alertar a segurança interna do presidio.
Tola caiu no chão, a respiração cessando enquanto os pulmões se inundavam do seu sangue. Não houve futebol naquela tarde.
por JORGE GUERRA
Vão pela sombra, Equipe Eutanásia.
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